Thursday, March 29, 2007

Mulher ao espelho

Acho que atualmente a única coisa capaz de me deprimir de verdade é ficar doente. Hoje as minhas olheiras traduzem bem o meu estado de espírito. Mas eu sei que passa junto com a gripe.

No entanto, nem sempre foi assim.

Fui uma jovem de cultivar angústias de forma orgulhosa, como se a tristeza fosse, de algum jeito torto, referendar minha vocação para a grandeza. Era preciso sofrer e era esse o papel que me cabia no mundo. Só carregando um bode gigante eu me sentia importante, engajada e digna.

Atuslmente, em função do meu trabalho e do constante contato com todas as formas de miséria humana que ele me apresenta, eu sei que deveria sentir mais.

Não se pode ser feliz num mundo em que tanta desgraça acontece. Ou simplesmente não se pose ser feliz e ponto.

Uma verdade, como eu já disse tantas vezes, extremamente libertadora em toda a sua crueldade.

A mania de ser feliz, a busca pelo estado de espírito perfeito não apaga as mágoas do passado e o medo do futuro. Bem dizem os budistas.

Diante dos enormes sorrisos que amiga-descolada-santa-tereza (também balzaquiana-mas-nem-parece) e eu ostentamos na foto do último sábado em comparação com o ar preocupado que a gente exibe no clique do reveillon 1991, percebo a vantagem de ter perdido algum viço, o tônus muscular e a capacidade de perder peso à jato.

É que eles levaram junto o pavor que se estampa nas nossas expressões tensas e a ansiedade pela pose perfeita. Em um tempo em que, por falta de grana, fotografias levavam semanas ou meses para serem finalmente reveladas.

Não sei se tudo estava realmente errado ou se era nosso próprio sentimento de inadequação que saltava aos olhos . Por mais que teimássemos em tentar disfarçar com olhares pretensamente enigmáticos.

A fotografia vive como metáfora óbvia e pueril de um sentimento humano básico: o eterno desejo de ser aceito. Se não se é, culpemos o mundo e suas deprimentes mazelas.

Os instantâneos resistem para mostrar, contra a nossa vontade, como a gente se achava importante e como, sendo gente tão importante, merecíamos ser eternizadas no nosso melhor.

Mas o tempo é cruel e tudo o que se destaca do retrato tão posado, planejado e cuidado é o figurino ridículo e os óculos modelo 1983. Faltava grana, não lembram?

E no fim, a gente só conseguiu mesmo sair bem na foto quando não ligava mais para isso.

Como quase tudo na vida.

15 comments:

Ana said...

Amiga, tava escrevendo um comentário, mas ficou tão grande que resolvi fazer um post lá no blog depois.

Fica o importante: ontem já era, hoje é o dia, e o amanhã poderá não mais chegar (Alberto Brizola).

Anonymous said...

perseguimos essa coisa de ser feliz como se fosse a ave do paraíso
ouro de tolo
fonte da ju(mento)ventude
passamos tanto tempo tentando o feliz que não vemos que o feliz estava conosco e já foi, deu lugar a outro feliz que pula na nossa frente, faz malabaris (o meu se fudeu, detesto malabaris), pirofagia e o diabo a 4 para te mostrar que você e ele são 1 só
mas você, do alto, ou baixo, de sua arrogância mundana não dá a mínima pra ele pois sabe de cor e salteado (expressão do meu tempo de escola) que aquilo ali na sua frente é uma imitação, um placebo, um engodo
o feliz está mais a frente, ali, onde você colocou os bois, sua besta, pensam os bois que tem um QI mais elevado que o seu pois ruminam e tem o feliz sem culpas e filosofias
esse é o pecado das fotos, pequenos Dorians, estapeiam nossa cara não para lembrar nossa mente, obcecada em enxergar o feliz anos-luz à sua frente, que aqueles foram bons momentos
mas para lembrar-nos de que tínhamos o feliz mas nem lhe demos atenção e hoje ele não passa de uma foto,se foi, partiu
e mesmo assim, continuamos tirando fotos...
nunca deveríamos ter descido das árvores...

anouska said...

déia, você anda escrevendo umas coisas bem esquisitas... olha, vocação pra sofrer tinha eu quando era casada com marido 1. passei tempo demais carregando as tristezas do mundo nas costas e me achando um lixo. agora já deu. olha, e a aninha é que sabe das coisas: alberto brizola está certíssimo! bjs [e fica boa logo...]

Anonymous said...

Déia,


Eu acho que em algum momento descobrimos que a felicidade eterna dos contos de fadas não existe. E que podemso ser felizes sim com tanta tristeza que existe no mundo. Eu tento ser feliz no meu pequeno universo. Claro que as vezes fico arrasada de ver tanta coisa ruim por este mundão a fora, mas passa. A vida vai passando e a gente vai descobrindo o que de fato nos faz feliz e acaba valorizando só que vale a pena...
Posso me considerar uma blogueira feliz, apesar do meu martírio laboral, sou feliz. Afinal não posso deseja viver em um mundo cor-de-rosa... sempre vai ter alguma parte da vida que a gente precisa dar um trato... no momento atual é o trabalho... Beijos!

Galega said...

Battle, vc fica bem na foto sempre! Gripada,feliz, com pele viçosa, com olheiras, sem olheiras!

Simplesmente pq vc é a nossa Andréa Batalha, porra!

Anonymous said...

ficar insensível não é bom, mas lidar melhor com as tristezas da vida eu acho bom. pq assim conseguimos ficar menos deprimidas e com mais força para reagir e tentar mudar algo. com muita tristeza só choramos e não conseguimos ajudar. beijos, pedrita

Fê Guimarães said...

Hoje amanhã vai ser um ontem pra esquecer...(?)

Não necessariamente. Eu também já tive uma fase na minha vida em que tinha a sensação de que só me sentia realmente vivo quando estava sofrendo. De certa forma, até buscava isso, principalmente nos relacionamentos. Só embarcava em canoa furada, propositalmente, porque sabia que iria sofrer. Claro que só hoje tenho consciência disso. Talvez, na época, alguma força maligna, algum encosto, sei lá, ficasse sussurrando aos meus ouvidos que eu não merecia ser feliz. Felizmente foi apenas uma fase que passou, mas foi um aprendizado. Hoje tento tirar proveito de cada situação que vivo, como se fosse a última. E dá certo. Lógico que isso não evita o sofrimento, mas, pelo menos, quando ele chega, eu tenho plena consciência de que é passageiro e tudo o que eu tenho que fazer é aguentar firme, porque voltar a ser feliz é uma questão de tempo.

fabiana said...

Jesus! Pare de tomar os antibióticos... PARE!

Anonymous said...

Muito estranho isso Batalha. Muito estranho. Há dias que eu venho pensando em como colocar no papel "aquilo que aprendi com as cariocas" (Vc e a Caneca), sobre preocupações tolas e como encarra de frente muitas coisas.

Eu jamais teria tua boa reação frente a problemas que depois perecebe-se que foram tolos(vide o bonde). Mas para vc estar com este sentimento de auto piedade, algo grave deve estar acontecendo.

Jesus! Pare de tomar os antibióticos... PARE! [2]

Andrea said...

[auto-piedade mode on] Por que ninguém me leva à sério? Por que não posso postar um Picasso? Serei eternamente vista apenas como um corpinho bonito? Eu tenho conteúdo, "entende"?[auto-piedade mode off]

Poxa, o texto saiu bem na hora em que eu já tava a fim de dar umas bordejadas pela cidade mesmo sabendo que não devia...eua chei tão alto astral!!!!!!!

Fê Guimarães said...

Eu interpretei como alto astral. Ficou bem claro que hoje você é uma mulher mais satisfeita consigo mesma, mais capaz de lidar com as adversidades. Entendi certo?

Wans said...

As vezes fico me perguntando sobre essa tal felicidade. Há algum meio de ser feliz? Pra mim seria o bastante ter uma casa e alguém para dividir, e isso eu já tenho, mas por que ainda fica aquele vazio de que sempre vai faltar algo? Sabe, sinceramente tô começando a achar que "felicidade" é apenas uma palavra que inventaram para definir se vc tá ou não com vontade de mandar todo mundo à merda!!!!!

anouska said...

sei não; eu achei o tom triste.

já parou de tomar os antibióticos?

=]

Ana said...

Battle, ninguém entende nosso poder de auto-sacaneamento. O que eu já ouvi de "não se menospreze", ou "seja mais otimista"... Será que ninguém via Seinfeld????

mi said...

Menina, seu blog tá cada dia melhor. Texto perfeito!!!!