Monday, September 04, 2006

Utilidade pública 3: a mulher rixosa

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Desde que, aos meus nove ou dez anos de idade, assisti um daqueles filmes bíblicos de Sessão da Tarde sobre a trajetória do Rei Salomão, a figura do monarca judeu jamais deixou de me fascinar. A construção do Templo de Jerusalém, a genial sacada de ameaçar cortar ao meio um bebê reclamado por duas mães diferentes, a fala invariavelmente debochada do protagonista... nada naquela história parecia com o que geralmente é apresentado numa narrativa épica. Talvez porque Salomão tenha sido mesmo um rei diferente.
Para começo de conversa, ele não foi um rei guerreiro. Coube a seu pai, Davi, a ingrata missão de pacificar a vizinhança através de guerras intermináveis. A pedrada no gigante Golias foi apenas um primeiro passo. O rapaz tomou gosto pela briga e aproveitou o ensejo para aniquilar quem quer tentasse se colocar contra os interesses de Israel, entregando a seu sucessor uma conjuntura que lhe permitiu ocupar-se de assuntos mais domésticos, o que acabou por fazer do novo rei um grande incentivador da ciência e das artes.
O próprio Salomão, passados trinta séculos de sua vida, é reconhecido como um dos grandes representantes dessa espécie de "Renascimento" judeu. Apesar de alguns antipáticos arqueólogos-filólogos insistirem na nada charmosa tese de acordo com a qual o sábio rei talvez se utilizasse de ghost-writers, três livros do Velho Testamento são creditados a ele.
O mais polêmico talvez seja o Cantares , onde são apresentados retratos surpreendentemente realistas do relacionamento íntimo homem-mulher. O Rei Salomão contava, em seu harém, com mais de mil esposas e pelo tom extremamente erotizado dos poemas, ele era, digamos, um grande fã do esporte em questão, sendo detentor de toda a legitimidade para opinar.
O Eclesiastes é um grupo de relexões pessimistas que Salomão teria produzido já no fim da vida. Trechos desse livro, quase sempre dissociados de seu contexto original, são muito populares em cultos de exortação. Uma obra que me interessa menos, confesso.
A tão decantada sabedoria salomônica se manifesta de maneira mais consistente nos Provérbios, uma inesgotável fonte de conhecimento sobre os mais variados aspectos da vida ordinária. O livro nos oferece lições de pragmatismo ímpar de forma sucinta e poética:
"Melhor é a reprensão aberta do que o amor encoberto." (Pv, 27, 5)
Como não poderia deixar de ser, Salomão filosofou muito acerca de um assunto que, como comprova o Cantares, ocupava grande parte de seu tempo e de suas preocupações: as mulheres. Principalmente as bonitas...
"Como jóia em focinho de porca, assim é a mulher formosa que se aparta da razão." (Pv, 11, 22)
Dar conta de mil esposas não devia mesmo ser trabalho fácil e mesmo Salomão, em toda a sua sabedoria, devia estar ciente de que no amor, como no futebol, quem não faz toma toma. Para se defender do adultério ele (que, lembremos, não era chegado a pedradas) se utilizou da arma com a qual tinha maior intimidade: o discurso. Criou o conceito de "mulher virtuosa" e tratou de divulgá-lo de maneira discreta entre conselhos em prol da prosperidade e da vida reta.
"A mulher aprazível guarda a honra, como os violentos guardam a riqueza." (Pv, 11, 16)
Imaginem que vida dura a de esposa de rei naquele tempo. Se ele era democrático e atendia a todas respeitando alguma ordem de uso e calcularmos que ele se deitasse com uma mulher por dia...tirando as gripes e os recessos religiosos, sob um prisma otimista, isso garantia às coitadas um carinho a cada três anos. Mas sabemos que os homens sempre têm as suas favoritas. E como ficavam as outras? Deviam procurar diversão entre os guardas, jardineiros, cozinheiros. Pra mim, essa coisa de "mulher aprazível" foi uma tremenda jogada de marketing que visava apenas protejer a testa do rei. O próprio Salomão sabia que a tal mulher não passava de abstração e isso fica claro no último capítulo do livro:
"Mulher virtuosa, quem a achará?" (Pv, 31, 10)
É...se já estava difícil mil anos antes de Cristo, imagine agora! Como percebemos, até para a sabedoria salomônica há limites. O que não quer dizer que a perspicácia do rei judeu seja de todo dispensável nos dias atuais. Há um outro tipo de mulher que parece ter saído do livro de Provérbios diretamente para as nossas vidas: a mulher rixosa, comparada em sua chatice e inconveniência ao "gotejar contínuo no dia de grande chuva" (Pv, 27, 15).
Trata-se daquele tipo de mulher que parace nunca estar satisfeita e que faz questão de anunciar ao mundo a sua infelicidade. Adora pentelhar o marido, mas ao mesmo tempo deve achá-lo o garanhão mais gostoso da galáxia, já que quase sempre a rixosa acha que seu homem é objeto do interesse de todas as outras mulheres presentes. Se não é esse o motivo, o show também pode começar porque ele não lhe dá atenção, porque a beijou com bafo de bebida, porque não a beijou...não sei se a Rainha de Sabá sofria de TPM, mas Salomão provou conhecer bem o tipo:
"Melhor é morar numa terra deserta do que com a mulher rixosa." (Pv, 21, 19)
A mulher rixosa está em todos os lugares. No trabalho, na fila do banco, em restaurante então...sempre respondendo a um meramente retórico "Oi, tudo bem?" com "Ah, estou tão aborrecida...preciso ir a Londres para receber uma herança milionária, mas não tenho um bom casaco!"
É óbvio que o mundo também está repleto de homens mal-humorados, mas é da natureza deles esconder os sentimentos, sejam eles bom ou ruins. Mulher explana logo e quando ela é mala não consegue disfarçar nem dois segundos.
E quando a mulher rixosa é lésbica? E namora outra rixosa? Quem freqüenta baladas GLS já deve ter esbarrado com esse casalzinho que quase sempre chega sem amigos e não socializa com ninguém. Sempre achei super romântico que as meninas se bastassem e se curtissem a esse ponto...bem, até o dia em que a fúria de uma rixosa se voltou contra mim.
Eu ia bêbada, feliz e satisfeita ao banheiro de determinado estacionamento de supermercado da Barra da Tijuca quando me vi diante de um degrau que era intransponível para mim naquela situação. O lugar estava tão cheio e escuro que era simplesmente impossível encontrar a escada. Percebendo minha triste situação, uma garota super cavalheira me deu a mão para que eu pudesse vencer os oitenta centímetros que me separavam do nível superior, onde ficavam os toilettes.
Quando eu fui agradecer não pude deixar de reparar que , além de gentil e prestativa, a mulher era espantosamente linda, uma loura de fazer a Ana Hickman parecer o Ernani Moraes. Acho que olhei de relance, pensando nas artes que eu faria se eu tivesse a aparência dela.
Já na fila do banheiro começo a ouvir os piores improprérios da marida da loura, que , constrangida, se defendia no mesmo tom. Uma gritaria inacreditável e aquelas mãozinhas apontando para mim...um barracaço!
E assim se deu a minha primeira incursão no mundo lésbico. Para variar, fiquei apenas com a parte desagradável do relacionamento: fui pivô de uma briga que parou a fila, a pista e que quase para todo o lugar. E eu nem tinha culpa no cartório ou interesse na contenda!
Saí de fininho e olhando pro chão, jurando jamais voltar a uma balada que não seja predominantemente GGS. Nada de L. Nem só pela saia justa, mas pelo menos para ter direito a banheiro exclusivo. Ah, é que esse negócio de fila me dá nos nervos, sabe? Odeio esperar para fazer xixi.Fico numa irritação, num mal-humor...
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Dedicado a Carol Ramos, a mocinha que não vai parar de gritar: "DIGRESSÃO!"

16 comments:

Ana said...

Esse post prova aquela antiga tese de que os homens são como são porque são criados por mulheres. Eles têm a licensa cuteness, que nos faz perdoar tudo. Pra eles, tudo é permitido, então? Tem muito homem barraqueiro por aí também. Barraco é sempre uma merda, não interessa se quem faz é homem, mulher, G, L ou S, ou criança de três anos que quer que o pai que ganha um salário mínimo compre aquela boneca imensa da Sandy – eu tenho medo daquela boneca.

E vem cá, lendo bíblia? Tá querendo enganar quem?

Andrea said...

Ana, tenho um post no forno sobre os homens escaparem de todas dizendo apenas "foi mal". Inspirado naqueles nossos dois amigos filósofos, os salomões de Rio Bonito e da Mangueira.

Sim, adoro ler a Bíblia. Que bom que ainda posso te surpreender!

Anonymous said...

Se eu comentasse "HAHAHAHA" estaria sendo muito repetitivo, né?
Mas as vezes parece que vc engoliu uma enciclopédia ou coisa assim! rs... Como vc escreve bem!
Só não entendi o que a foto da Carolina Dieckmann tem a ver...
E, dando uma olhada nos outros posts, devo concordar que Reunion ficou BEM CHATO nos últimos episódios!
Bjos!

(Mas então Flahsdance é tosco?? rsrs... Mas se é bom por isso, continuo querendo ver. Dirty Dance eu tenho em DVD e tb sou fã!)

Andrea said...

Renatinho, eu leio enciclopédia, mas também leio Ti-ti-ti, Mnha Novela,etc. Se vc lesse tabém saberia porque a Carolina Dieckman ( rixosa-mor da Globo) tá fazendo no post...hehehe

FLASHDANCE é tosco-BOM, entende?

Bjs

Anonymous said...

andrea, vc me provoca ! eu não ia falar nada mais bíblia - mulher rixosa - balada gls ... DIGRESSÃO TOTAL !

mas adorei o post,
e te vejo amanhã querida, bjão !

Adolfo Oliveira said...

eu nao costumo comentar em blogs de pessoas que não conheço (em parte porque tenho vergonha), mas não podia deixar isso passar...
meu deus... imnpressionante! como você foi de salomão para a lésbica mal humorada? hahahahaha! por essa eu não esperava!
muito bom mesmo!

Andrea said...

Ih....vai ter bingo do Cesita na Lapa! haha

Adolfo, eu quis, com esse post, homenagear aquelas conversar de bar que vão perderndo o rummo de tal forma que alguém sempre acaba perguntando: "Mas por que mesmo eu falei disso?"

Anonymous said...

Oi, Andrea.
Desde que a Ana fez propaganda lá no blog dela, tenho dado uma lida no seu. Só não tinha me manifestado, ainda. Mas não resisti: escreva logo esse próximo post, porque se o filósofo de Rio Bonito é quem estou pensando (e tenho certeza de que é - ou não é? - acho que vou dar outras boas risadas.
Beijos

Andrea said...

O próprio, Gileade...bjs e volta sempre

Olha...e se eu pudesse entrar na sua vida... said...

battle, realmente vc escreve bem mesmo. essa de barraco por causa de gls nunca passei, mas vc lembra da gente na tal caas rosa e aquele gato vir me perguntar onde comprei minha plataforma? ali foi que desisti desse negocio de festa muderninha...

Andrea said...

Hahahahahahahahah! Tu-do! E Casa Rosa é só S, hein? Esqueceu do Volúpia do Gragoatá?

Olha...e se eu pudesse entrar na sua vida... said...

hahahahahha, esqueci nao, menos ainda que demos de cara com MEU IRMAO (!!!) lah dentro!!!

Anonymous said...

Drummond não agüentou:

"A chuva me irritava. Até que um dia
descobri que maria é que chovia.

A chuva era maria. E cada pingo
de maria ensopava o meu domingo.

E meus ossos molhando, me deixava
como terra que a chuva lavra e lava.

Eu era todo barro, sem verdura...
maria, chuvosíssima criatura (...)"

Salomão, sim. Observe como deve ser a mulher (Cântico dos cânticos, 1,3)" Suave é o cheiro dos teus perfumes; como perfume derramado é o teu nome; por isso as donzelas te amam."

Esse era o comportamento esperado das mulheres. Sintam a felicidade em suas palavras e aprendam. Maria deveria ter agido assim...

Andrea said...

Valeu a contribuição, Master. Principalmente pela leitura do CDA.
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Anonymous said...

A-D-O-R-E-I....

Anonymous said...

e a carolina é a RIXOSA MOR mesmo..morro de medo dela ...kkkk